Considerando que Hollywood não
tem feito nada que preste com antigos heróis de capa, preferindo entregar
produções que tentam transformar essas aventuras em blockbusters explosivos ou
filmes de super-heróis como os péssimos Os
Três Mosqueteiros (2011) ou Robin Hood: A Origem (2018), fico feliz que os franceses tenham pego a obra de
Alexandre Dumas para tentar fazer algo mais fiel neste Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan.
Funcionando como a primeira parte
da história (o texto integral de Dumas é bem longo) a trama se passa no século
XVII e segue o jovem D’Artagnan (François Civil) que chega a Paris esperando se
tornar um mosqueteiro, a tropa de elite do rei. Lá ele conhece os três
mosqueteiros Athos (Vincent Cassell), Porthos (Pio Marmai) e Aramis (Romain
Duris), entrando acidentalmente em uma conspiração arquitetada pelo Cardeal
Richelieu (Eric Ruf) e a misteriosa Milady (Eva Green) para iniciar uma guerra
entre a França e a Inglaterra.
Há um ditado que diz “a grandeza
tem pequenos começos”. Isso é dito muitas vezes para falar sobre como pessoas
que realizam grandes feitos tem origens humildes, mas poderíamos aplicar isso
também a tragédias ou rivalidades. Como nos mostrou o recente Os Banshees de Inisherin, um grande ódio
pode nascer de algo pequeno. A minissérie Treta
dialoga com essa ideia mostrando como uma discussão de trânsito banal pode
escalonar para um conflito que destrói a vida de duas pessoas.
A trama é focada em Danny (Steve Yeun),
um empreiteiro que tenta fazer seu negócio decolar, e Amy (Ali Wong), uma
empresária bem sucedida que está às portas de fechar um negócio milionário. Um
dia Amy dá uma fechada em Danny no estacionamento de uma loja e Danny a
persegue pelo trânsito depois que Amy mostra o dedo do meio para ele. Danny
perde o carro de Amy de vista mais decora a placa e resolve ir atrás dela em
sua casa. A partir daí a rivalidade dos dois só aumenta, bem como os problemas
pessoais de cada um.
Considerando que as tentativas
anteriores de Hollywood em levar as telonas o universo de Dungeons & Dragons rendeu péssimos filmes, inicialmente não
tinha nenhuma vontade de conferir este Dungeons
& Dragons: Honra Entre Rebeldes. As coisas começaram a mudar quando
saíram os primeiros trailers, que davam a impressão de uma aventura divertida e
também o fato de que estava sendo dirigido pela mesma dupla do super engraçado
e pouco visto A Noite do Jogo (2018).
A trama é centrada no bardo Edgin
(Chris Pine), outrora um espião hoje ele vive ao lado da bárbara Holga
(Michelle Rodriguez) como criminosos. Depois de um tempo preso, Edgin descobre
que o antigo aliado, Forge (Hugh Grant), se tornou o governante de Nevenunca e
guardião da filha do bardo, mentindo para ela sobre os motivos para o qual o
pai fora preso. Agora Edgin vai reunir um grupo de aliados para assaltar os
cofres de Forge, provar a verdade para a filha e recuperar um artefato que lhe
permitirá ressuscitar a esposa morta.
Da mesma forma que acontece na
série A Lenda de Vox Machina, o filme
capta muito bem a atmosfera caótica de uma mesa de RPG, no qual os personagens
nem sempre se comportam como se espera, as coisas dão errado e é preciso improvisar
com o que se tem para tentar sobreviver. Isso é evidente na cena em que o
paladino Xenk (Regé Jean-Page, de Bridgerton)
tenta explicar o complexo funcionamento de uma armadilha apenas para o
feiticeiro Simon (Justice Smith) acioná-la por acidente, obrigando o grupo a
pensar em alternativas para superar o obstáculo.
Outro acerto são as interações
entre os personagens, que de fato soam como um grupo de pessoas que não
necessariamente gosta um do outro, mas é obrigado a conviver por conta de um
objetivo em comum, precisando aprender a ajudar um ao outro e trocando farpas e
provocações no processo. O elenco tem uma química divertida entre si e faz
todas as piadas soarem naturais diante daquelas situações, algo que pessoas
naquela situação poderiam dizer e não apenas um chiste inane para dar a
impressão de que algo está acontecendo em cena. Aqui é tudo consistente com as
personalidades que a trama estabelece para os heróis e ao fim vemos um
crescimento genuíno neles e nas interações.
Chris Pine é perfeito como o tipo
de herói blasé e cafajeste que Hollywood tenta há anos forçar Chris Pratt a fazer, mas Pine já provou ser bem mais eficiente desde suas performances como
Kirk no reboot de Star Trek. O jeito
largado de Edgin rende interações divertidas com o sisudo e galante paladino
vivido por Regé Jean-Page (outra escalação precisa de elenco), sendo uma pena
que Page acabe aparecendo tão pouco. Justice Smith e Sophia Lillis tem bons
momentos como Simon e a druida Doric, mas o foco acaba sendo a amizade entre Edgin
e a bárbara Holga, interpretada por Michelle Rodriguez com uma personalidade
abrasiva, mas repleta de calor humano.
Hugh Grant rouba todas as cenas
em que aparece como o cínico lorde Forge, sendo uma pena que ele seja
abandonado no clímax por uma necromante clichê interpretada por Daisy Head.
Tudo bem que a atriz é eficiente em criar uma aura de ameaça ao redor da bruxa
Sofina, mas ela é o tipo de vilã que já vimos a rodo em tramas de fantasia e o
texto não faz nada para lhe dar qualquer nuance. Na verdade, toda a narrativa é
a típica caça para achar e/ou destruir itens mágicos que a fantasia nos entrega
há séculos, sem muito o que sair desse molde.
O que faz o material ser
envolvente é o já citado carisma do elenco e também o modo criativo como as
cenas de ação exploram as habilidades dos heróis, vilões e monstros que
encontramos ao longo da jornada, sejam as formas animais de Doric, a varinha de
portais de Simon ou as ilusões de uma pantera deslocadora. Tudo é conduzido de
modo a manter um frescor aos embates e perseguições, mantendo nosso interesse
tanto pela inventividade visual quanto por nossa conexão com os personagens.
Assim, mesmo que apresente uma
trama típica de fantasia, Dungeons &
Dragons: Honra Entre Rebeldes capta bem a diversão caótica de uma sessão de RPG de mesa, conquistando pelo seu despretensioso senso de
aventura, o carisma de seus personagens e a inventividade de algumas cenas de
ação.
Você já imaginou como seria se
personagens como Philip Marlowe e Sam Spade fossem hippies maconheiros ao invés
de detetives argutos? De certa forma O
Grande Lebowski, dirigido pelos irmãos Coen, é uma resposta para essa
pergunta, colocando um sujeito relaxado e sempre sob efeito de narcóticos em
uma trama criminal rocambolesca típica de film
noir, misturando suspense e comédia. Lançado em 1998, o filme originalmente
teve uma recepção morna da crítica, mas eventualmente ascendeu ao status de cult graças aos personagens excêntricos, em especial o protagonista
interpretado Jeff Bridges.
A trama é centrada na figura de
Jeff “O Cara” Lebowski (Jeff Bridges), um hippie desempregado que passa seu
tempo fumando maconha e jogando boliche. Um dia criminosos invadem o
apartamento dele, lhe dão uma surra e urinam em seu tapete enquanto cobram uma
dívida até descobrirem que pegaram o Jeff Lebowski errado. O Cara então
descobre que a pessoa que os bandidos estavam atrás era um milionário e decide
cobrar dele pelo tapete que foi estragado, já que o item “dava coesão a sua
sala”. O contato do Cara com “o grande Lebowski” dá início a uma complicada
trama de chantagem e sequestro que mais soa como uma bad trip do Dude.
Em geral não tenho problemas com
tramas que caminham por um ritmo deliberado e fervem lentamente as tensões
entre seus personagens. Criaturas do
Senhor, porém, tem um cozimento tão lento de seus conflitos principais que durante
sua metade inicial chegamos a perder de vista seu foco. Isso não significa
necessariamente que é uma produção ruim, ele tem uma boa parcela de virtudes,
mas não aproveita plenamente o potencial de sua trama e as inquietações que ela
suscita.
A narrativa se passa em uma
pequena vila pesqueira na Irlanda. Aileen (Emily Watson) sustenta a família
trabalhando em uma fábrica de processamento de pescados. Um dia Brian (Paul
Mescal), filho mais velho de Aileen, retorna da Austrália decidido a retomar a criação
de ostras que deixara. Sua mãe o ajuda a recomeçar, mas a presença de Brian
começa a causar problemas para a família quando ele é acusado de violência
sexual contra uma garota local. Aileen mente para a polícia, fornecendo a Brian
um álibi, mas a mentira começa a rondar a pequena comunidade e a matriarca fica
dividida entre seu senso de proteção ao filho e seu senso de justiça.
Antes de qualquer coisa, aviso
que o texto a seguir contem SPOILERS da atual temporada de Succession, então se você não está acompanhando a série e não quer
que eventos da quarta e última temporada sejam revelados, sugiro voltar depois.
Dito isso, irei me deter especificamente ao terceiro episódio da quarta
temporada, intitulado Connor’s Wedding.
Pelo título imaginamos que o
episódio irá focar no casamento de Connor (Alan Ruck), o mais velho dos filhos
de Logan (Brian Cox), ao mesmo tempo em que seguimos o patriarca em sua viagem
para Suécia para renegociar a venda de seu conglomerado a um excêntrico bilionário
e seus outros três filhos, Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook) e Roman
(Kieran Culkin) tentam arrancar ainda mais dinheiro do negócio. Até então tudo
parece típico da série, os esquemas corporativos, a alienação afetiva dos Roy,
Logan tentando sair por cima.
Em tempos em que qualquer blockbuster ou comédia romântica
despretensiosos passam facilmente da marca de duas horas, é um alívio encontrar
uma produção que sabe ir direto ao ponto e usa os elementos conhecidos dos
gêneros para construir uma economia narrativa que permite trama
focar no que é singular de seus personagens ao invés de apenas repetir
elementos conhecidos. Bastante celebrado no festival de Sundance, a produção
britânica Rye Lane: Um Amor Inesperado,
que chega ao Brasil via Star Plus, é uma bela surpresa.
A trama é centrada no casal Dom (David
Jonsson) e Yas (Vivian Oparah). Eles se conhecem em uma tarde no sul de Londres
quando ambos estão passando por términos ruins, especialmente Dom que é
encontrado por Yas chorando em um banheiro. A partir daí eles compartilham um
com o outro as recentes desilusões afetivas e aos poucos vão se aproximando
conforme conversam ao longo do dia.
A série Atlantasempre flertou com o surrealismo, com o segundo ano entrando ainda mais nessa seara e também em episódios com histórias mais
isoladas, remetendo a uma estrutura de antologia. Em sua terceira temporada,
que chegou aos streamings brasileiros com anos de atraso (a quarta e última
temporada já foi exibida lá fora ano passado), a série mergulha ainda mais no
surrealismo, dividindo a narrativa do quarteto principal com episódios que
contem histórias isoladas, tentando um meio termo entre uma narrativa seriada e
uma estrutura antológica.
A terceira temporada começa com
Earn (Donald Glover), Al (Brian Tyree Henry) e Darius (Lakeith Stanfield) chegando à
Amsterdã para a turnê europeia de Al. Inesperadamente Vanessa (Zazie Beets) se
une ao trio, sem dar muita explicação do motivo de ter ido para a Europa. É
claro que isso é o início para uma série de eventos bizarros que podem ou não
ser reais.
Assim como foi Mistério no Mediterrâneo(2019), este Mistério em Paris é mais uma comédia do
Adam Sandler em que ele usa um filme para poder sair de férias com os amigos e
botar a conta para algum estúdio pagar. Não tenho nenhum problema em particular
com artistas tentando aproveitar as locações dos seus filmes, desde que o público
tenha a contrapartida de um produto que valha a pena assistir, o que não é o
caso aqui.
Depois dos eventos do primeiro
filme, Nick (Adam Sandler) e Audrey (Jennifer Aniston) veem sua agência de
detetive à beira da falência e seu casamento em crise novamente. As coisas
mudam quando recebem um convite para o casamento do Marajá (Adeel Akhtar) em
uma ilha paradisíaca, mas o que deveria ser um momento de respiro dá lugar ao
caos quando o Marajá é sequestrado.
Quem imaginaria que a negociação
pelos direitos de um jogo de videogame renderia um drama envolvente? Eu
certamente não, mas Tetris, produção
da AppleTV+ faz exatamente isso, embora tome muitas liberdades com a história
real em que se inspira. A narrativa se passa no final da década de oitenta,
sendo baseada na história real do empresário Henk Rogers (Taron Egerton), que descobriu
o jogo Tetris em uma feira de eletrônicos e viu o potencial de vendas do game.
O problema é que o jogo foi criado por um russo dentro da União Soviética e
conseguir comprar ou vender algo do país é um desafio burocrático,
principalmente quando rivais mais ricos do ocidente estão dispostos a conseguir
os direitos do jogo.
De início a narrativa consegue
imprimir um ritmo ágil e uma estética pop conforme ouvimos Henk narrar como
conheceu Tetris e o emaranhado jurídico dos direitos do jogo a partir de
visuais que emulam a estética 8 bits enquanto introduzem os principais
personagens do filme. O que deveria ser basicamente uma história envolvendo
longas reuniões e rodadas de negócios consegue criar um senso palpável de
suspense ao estabelecer claros riscos para Henk e para o criador do jogo,
Alexey Pajitnov (Nikita Efremov). Além disso, a trama consegue deixar claro
para o espectador o motivo do fascínio com o game e as razões para ele ser tão
viciante, então entendemos bem o valor do que está disputa.