Tive pouco contato com os games da franquia Twisted Metal. Joguei brevemente no
Playstation original, mas não tenho muita memória. Lembro de alguns
personagens, como o palhaço Sweet Tooth e o fato de que os combates veiculares
giravam em torno de um torneio de embates até a morte. Era algo bem básico que
tinha minhas dúvidas se seria capaz de render uma série, mas Twisted Metal, criada pelos mesmos
responsáveis por Zumbilândia, entrega
uma aventura apocalíptica inesperadamente divertida.
A trama se passa em um futuro no qual a sociedade colapsou.
As poucas cidades que restaram se tornaram fortalezas muradas nas quais ninguém
mais entra. A comunicação entre as cidades é feita pelos “leiteiros”
entregadores que cruzam o país em carros cheios de blindagem e armas para
sobreviverem aos perigos da estrada. John Doe (Anthony Mackie) é um desses
leiteiros. Tendo vivido nos ermos a vida inteira, ele recebe a chance de morar
em São Francisco se cumprir uma perigosa entrega para a governante local, Raven
(Neve Campbell). No caminho ele conhece tipos perigosos como o insano Sweet
Tooth (Samoa Joe/Will Arnett) ou o policial Stone (Thomas Haden Church),
obcecado em fazer a lei valer nos ermos. Para sobreviver John se alia à
misteriosa Quiet (Stephanie Beatriz), de quem vai se aproximando aos poucos.
Dezembro chega e inevitavelmente começam a pipocar filmes
natalinos nos streamings e canais a
cabo. A Batalha de Natal, produzido
pela Prime Video, é o mais novo exemplar de produção feita à toque de caixa
para capitalizar no espírito das festas de fim de ano. Sim, eu sei que em pleno
2023 fazer um filme de natal que seja muito diferente ou inovador é complicado
considerando o volume de produções desse tipo que inundam os catálogos todo ano,
mas, ainda assim, A Batalha de Natal não
afasta a sensação de que já vimos tudo isso antes e que o filme funciona como
uma espécie de checklist de clichês
do gênero sem muita imaginação.
A trama gira em torno Chris (Eddie Murphy), um homem recém
desempregado que decide vencer a qualquer custo o concurso de decoração de
Natal de seu bairro para conquistar o prêmio em dinheiro da competição. Chris
acaba fazendo um pacto com a elfa natalina Pepper (Jillian Bell) para vencer,
mas a elfa cobra um custo e se ele não encontrar cinco anéis dourados até a
noite de Natal, Chris será transformado em uma decoração natalina.
A contravenção do jogo do bicho é um esquema que existe faz
tempo no Brasil e ocupa um lugar de destaque principalmente no Rio de Janeiro,
onde se originou. A série documental Vale
o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho, produzida pela Globoplay, conta a
história desse esquema de jogo e como ele se relaciona com diversas dimensões
da vida carioca, do carnaval à política, passando também pela origem de outros
grupos criminosos.
Dividida em oito episódios, a série foca cada um deles em
personalidades diferentes da contravenção, começando nas origens do jogo do
bicho e encerrando nos dias atuais. Em termos estilísticos a série entrega
aquilo já se tornou convencional em documentários sobre crimes, se estruturando
ao redor de entrevistas, imagens de arquivo e ocasionalmente algumas cenas
encenadas.
Apesar de tradicional em seu formato, o que chama a atenção
na série é a ampla pesquisa jornalística feita sobre o caso, cobrindo um longo
período de tempo e o amplo escopo da rede de crimes desses contraventores. A
série nos mostra como é o jogo do bicho que amplia e organiza o carnaval
carioca e o desfile das escolas de samba, não apenas ao assumirem e financiarem
individualmente certas escolas de samba, mas na criação da Liga que representa
o coletivo das escolas e organiza a competição. Do mesmo modo, vemos como
muitos dos bicheiros da chamada “alta cúpula” do jogo tem ligação com vários
políticos em posição de destaque no Rio e na política nacional.
Eu não esperava nada muito inovador ou diferente quando fui
assistir A Lista de Beijos, mas
queria ao menos ver uma comédia adolescente minimamente bem realizada e
carismática. O que encontrei, no entanto, foi uma coleção de lugares comuns
pouco imaginativos que não servem para dar ao filme nenhum tipo de
personalidade própria.
A narrativa gira em torno de Camille (Megan Suri) que
consegue beijar um dos garotos populares da escola. O que deveria ser um sonho
se torna um pesadelo quando o garoto espalha para toda escola que ela beija
mal. Quando fazem uma enquete no colégio e apenas quatro pessoas dizem que
ficariam com Camille, ela decide procurar essas pessoas para provar que não
beija mal.
É uma típica história de despertar afetivo adolescente. Uma
personagem que sente que está “atrasada” em suas experiências afetivas e
sexuais e decide correr atrás do tempo perdido de uma maneira que não é
exatamente saudável. Já assistimos vários filmes assim, de American Pie (1999) a Superbad
(2007) passando pelo recente e ótimo Clube da Luta para Meninas(2023) e A Lista
de Beijos não faz nada de interessante com sua premissa.
O primeiro A Freira(2018) não tinha nada de muito espetacular, mas funcionava
principalmente por conta do visual sinistro de sua criatura. Este A Freira 2, ainda que se apoie nesse
mesmo elemento, soa como uma continuação protocolar, feita só para tentar
arrancar dinheiro do público, sem muito a dizer sobre seus personagens ou o mal
que seu demônio representa.
A trama se passa em 1956. A irmã
Irene (Taissa Farmiga) reconstruiu sua vida depois dos eventos do primeiro
filme, mas a igreja lhe incumbiu uma nova missão: investigar uma série de
mortes em locais religiosos através da Europa que indicam que o demônio Valak
está à solta mais uma vez. A investigação aponta para um convento na França que
serve de escola para jovens garotas.
A trama demora a colocar Irene e
a irmã Debra (Storm Reid), sua aliada da vez, em meio ao conflito principal,
jogando as duas ao redor da Europa investigando pistas e tentando encontrar um
artefato sagrado, os olhos de Santa Luzia, que supostamente deteriam a freira
demoníaca. É algo que mais parece saído de um filme do Indiana Jones do que de
uma trama de terror e com tanto tempo gasto com o isso o filme desperdiça as
possibilidades de usar a presença de um demônio que assombra igrejas para
ponderar sobre a natureza do mal, a falibilidade humana ou como os mais santos
entre nós também tem a mácula do pecado.
Estrelado por Awkwafina e Sandra Oh, Quiz Lady é um road movie
bem típico que envolve pelas duas protagonistas. A trama é centrada em Anne
(Awkwafina) uma contadora solitária cujo ponto alto de suas noites é assistir o
mesmo programa de perguntas e respostas que ela acompanha desde a infância.
Tendo começado a assistir durante o divórcio dos pais, o programa virou para
ela uma espécie de porto seguro e um momento no qual ela se sente em controle
da própria vida.
As coisas se complicam quando seu cachorro é sequestrado por
agiotas para quem sua mãe viciada em jogo deve dinheiro. Como a mãe de Anne
fugiu do país e voltou para a China, o agiota resolve cobrar de Anne e
sequestra seu cachorro para obrigá-la a pagar. A irresponsável irmã mais velha
de Anne, Jenny (Sandra Oh), a encoraja a participar do programa que assiste
diariamente para levantar o dinheiro. Assim as duas iniciam uma viagem pelo
país para tentar entrar no programa.
Segundo longa metragem da diretora Emma Seligman (do ótimo Shiva Baby), é uma pena que este Clube da Luta Para Meninas tenha chegado
ao Brasil com um título tão genérico ao invés da tradução não oficial Passivonas com o qual ele circulava pela
internet, já que é mais fiel ao título original Bottoms e também ao espírito de sátira do filme. É uma produção que
mergulha no absurdo, mas que comenta de maneira consistente sobre o senso de
invisibilidade e inadequação da juventude.
A trama é protagonizada por PJ (Rachel Sennott) e Josie (Ayo
Edebiri), duas garotas pouco populares, solitárias e lésbicas que, na tradição
das comédias adolescentes estadunidenses, decidem que o próximo ano escolar
será finalmente aquele em que perderão suas respectivas virgindades. Para fazer
isso inventam uma mentira de que passaram as férias em um reformatório e que
tiveram que lutar contra toda sorte de agressor e abusador. A partir daí elas
decidem iniciar um “clube da luta” supostamente para ensinar as garotas da
escola a se defenderem, mas na verdade querem usar isso como um pretexto para
se aproximarem das meninas de quem gostam.
Depois de um hiato de quase dois anos após sua primeira
temporada, a animação Invencívelchega
ao seu segundo ano com uma divisão em duas partes, com os primeiros quatro
episódios sendo lançados agora em novembro de 2023 e a segunda parte chegando
em algum momento no início de 2024. A decisão foi tomada supostamente para que
o público não se dispersasse por conta das festas de fim ano, um raciocínio que
não faz sentido considerando que se trata de uma produção de streaming e não de
TV convencional, que é exibida em um horário específico e requer que as pessoas
sintonizem naquele momento. Digo isso porque a trama claramente não foi
construída pensando em uma divisão.
A narrativa se passa cerca de seis meses depois dos eventos
do ano de estreia, Mark e mãe, Debbie, ainda lidam com os sentimentos
resultantes do ataque do Omni-Man e a revelação que ele veio à Terra para
conquistá-la. Enquanto isso, o Robô se acostuma ao seu novo corpo e treina os Guardiões do Globo para estarem à altura de enfrentarem Omni-Man em um eventual
retorno. Eve Atômica, por sua vez, pensa em como usar seus poderes para ajudar
as pessoas agora que não é mais uma super-heroína enfrentando vilões.
Meu primeiro contato com a obra de Bryan Lee O’Malley foi a
adaptação para os cinemas de Scott
Pilgrim Contra o Mundo (2010), de Edgar Wright. Um tempo depois fui ler o
quadrinho homônimo que inspirou o filme e gostei ainda mais, já que ele
aprofundava mais os vários personagens e dava mais evidência ao fato de Scott
estar longe de ser um “cara legal” e que Ramona tinha seu grau de
responsabilidade no modo como tratava aqueles com quem se relacionava. Agora,
cerca de vinte anos depois do lançamento do quadrinho, ele é adaptado como
série animada pela Netflix neste Scott
Pilgrim: A Série.
Inicialmente pensei que fosse ser uma adaptação mais fiel da
HQ e me empolguei pelo fato do elenco de dubladores ser o mesmo do filme do
Edgar Wright, já que todos funcionavam muito bem. A série, no entanto, é mais
uma releitura do material original do que uma transposição direta, o que acaba
se revelando uma boa escolha. Primeiro que evita a estrutura de uma ordem
linear no enfrentamento com os ex-namorados de Ramona, algo que fez o quadrinho
e o filme soarem repetitivos em certos pontos. Segundo que com o distanciamento
de vinte anos de sua própria obra, O’Malley, que escreveu os roteiros dos oito
episódios, pode examinar melhor alguns aspectos que não foram tão bem trabalhados no
original e expande muito de suas ideias.
Adaptando o romance Are
You There God? It’s Me Margaret, de Judy Blume, o filme Crescendo Juntas é uma típica história
de amadurecimento e descobertas que envolvem a chegada da adolescência. Apesar
de ser um tipo de história similar a várias outras que já vimos, o filme
conquista pela sua sensibilidade e doçura.
A trama se passa em 1970 e é protagonizada por Margaret
(Abby Ryder Fortson), uma garota prestes a fazer 12 anos que começa a
contemplar as mudanças trazidas pela adolescência. Ela também lida com uma
mudança literal, já que sua família se muda de Nova Iorque para os subúrbios de
Nova Jersey, começando em uma nova escola e precisando fazer novas amizades.
A narrativa traz tópicos presentes em muitas tramas sobre
juventude, como a primeira menstruação, o primeiro sutiã ou o despertar do
interesse por garotos. São temas passíveis de discussão franca e aberta hoje,
mas não tanto na época em que a história se passa e na qual o livro foi
escrito. É um período onde não há internet, informação não estava disponível
tão fácil e mesmo locais de aprendizado, como a escola, lidavam com esses temas
de maneira relativamente tabu.
O texto, porém, evita que tudo isso soe excessivamente
didático ao enquadrar tudo sob a perspectiva de Margaret e transitar com
bastante sensibilidade entre esses temas, fugindo de simplismos que diluiriam
suas ideias. A trama também é esperta ao não eleger vilãs para a história,
entendendo a imaturidade de suas personagens e como muito das ações dessas garotas
são movidas por senso de insegurança e necessidade de pertencimento. Assim,
mesmo quando Nancy (Elle Graham), uma garota que posava de avançada e já
desenvolvida, é revelada como mentirosa, a narrativa trata isso mais como uma
evidência da fragilidade da menina e seu desejo desesperado de adequação do que
como uma falha moral de seu caráter, entendendo que jovens eventualmente fazem
besteira, agem com imaturidade e se magoam.
Muito da sensibilidade do filme vem também do elenco. A
jovem Abby Ryder Fortson traz uma doçura e ingenuidade encantadora a Margaret e
estabelece uma química afetuosa com o resto da família, o pai, Herb (Benny
Safdie), a mãe, Barbara (Rachel McAdams), e especialmente a avó paterna, Sylvia
(Kathy Bates), que funciona como um porto seguro para a garota. As relações
entre esses personagens estabelecem um lar cheio de calor humano que contribui
para o olhar afetuoso que o filme constrói sobre juventude.
Inclusive a fotografia preza por tons de sépia, com matizes
de laranja e marrons, que parecem evocar uma certa nostalgia pelo passado e
pela infância. Esse componente visual de nostalgia ajuda a justificar o retrato
mais inclusivo que faz da vida suburbana nos EUA da década de 70, aqui mostrado
como um espaço mais inclusivo e menos preconceituoso do que realmente era. Esse
retrato soa menos como uma tentativa de reescrever ou romantizar a história e
mais com o fato de tudo ser filtrado pela subjetividade de Margaret, que
observa tudo com sua ingenuidade infantil e, talvez por isso, não atente para
certas coisas.
Isso não significa, no entanto, que o filme faça um retrato
completamente idílico da sociedade estadunidense na década de 70. Como o cerne
do conflito de Margaret está em sua relação com deus por ter uma mãe cristã e
um pai judeu, a narrativa explora como intolerância ou imposição religiosa pode
afastar as pessoas ao nos informar que Barbara foi expulsa de casa pelos pais
conservadores cristãos ao se relacionar com o judeu Herb. A descoberta desses
fatos por Margaret representa a mudança na visão que temos de nossos pais
conforme crescemos. Se na infância os vemos como super-heróis infalíveis,
conforme chegamos na adolescência vamos percebendo a humanidade e como eles são
pessoas com falhas e problemas como quaisquer outras.
O debate sobre a relação de Margaret com deus e que caminho
ela deveria seguir em sua vida espiritual é inteligentemente deixado em aberto
para a interpretação do espectador, evitando assim respostas fáceis sobre algo
tão complexo e reconhecendo que esse é um elemento íntimo de cada sujeito a ser
resolvido dentro da subjetividade de cada um. Assim, ainda que se estruture
como uma típica história de amadurecimento, Crescendo
Juntas envolve pela doçura de sua protagonista e pela sensibilidade com a
qual transita sobre seus temas de juventude.