O diretor italiano Nanni Moretti é famoso por fazer filmes
que exploram o momento em que ele vive em sua vida pessoal. São produções com
um cunho autoficcional que partem de um sentimento autobiográfico para tecer
tramas que remetem às inquietações e sentimentos do diretor sem necessariamente
possuírem a ambição de serem um reflexo fidedigno de sua vida. Em Caro Diário (1993), por exemplo, ele
falou de seus problemas de saúde. Neste O
Melhor Está Por Vir ele fala de crises matrimoniais, desilusões políticas e
as transformações no mercado audiovisual.
A trama segue o diretor Giovanni (Nanni Moretti) que está
prestes a começar a produção sobre um filme a respeito do Partido Comunista
Italiano na década de 1950 e como eles reagiram à invasão soviética a Hungria.
Ao mesmo tempo, ele tem problemas em casa por conta da decisão de sua esposa,
Paola (Margherita Buy), de produzir um outro filme além do dele. O outro filme
produzido por Paola é um filme de máfia bem típico, o que incomoda Giovanni e
vai criando conflitos entre eles.
Feito para celebrar os 100 anos da Disney, Wish: O Poder dos Desejos é uma
homenagem mais focada em nos lembrar do longevo legado do estúdio do que para
mostrar o espírito de inovação que o tornou tão amado. É uma produção que tem
sua parcela de qualidades, mas que não tem o impacto que esperaríamos de uma
celebração de um século.
A trama é focada em Asha, uma jovem que deseja se tornar
aprendiz do rei Magnifico, um monarca que trouxe paz e prosperidade ao reino
com seu poder de extrair e guardar os desejos de seus cidadãos, realizando-os
periodicamente. Quando Asha descobre que o rei usa os desejos como forma de
controlar a população ao invés de inspirá-la, ela decide devolver os desejos ao
povo. A jovem faz um pedido para uma estrela e ela ganha vida. Agora, com a
ajuda da estrela e seus poderes mágicos, ela decide enfrentar o rei.
É uma trama típica da Disney, com animais falantes e números
musicais que nos lembra da importância de sonhar e perseguir os próprios
desejos. Não tem nada aqui que quebre o molde do estúdio, mas não chega a ser
um grande problema já que a produção tem carisma e encantamento o suficiente
para nos manter interessados. Os números musicais são vibrantes e alguns deles,
como o que envolve galinhas dançantes, remetem aos mosaicos das coreografias de
Busby Berkeley. Não tem nenhuma música que soe com o impacto de hit instantâneo algo como Dos Oruguitas ou Não Falamos do Bruno de Encanto (2021), mas são canções carismáticas que entregam o que se espera.
Muito da graça do filme vem de como a trama costura
referências aos vários filmes da Disney ao longo do último século, da silhueta
da Malévola que aparece no livro de magia sombria do rei, passando pelo fato de
que os amigos de Asha se vestem como os sete anões, que o manto que a
protagonista usa remete ao da fada madrinha de Cinderela (1950) ou o vilão basicamente se tornar ao final no
espelho da Rainha Má de Branca de Neve e
os Sete Anões (1937). Nesse sentido, o avô de Asha ser um idoso de 100 anos
em busca de alcançar seu desejo de inspirar as pessoas é uma clara metáfora
para a Disney em si, que chega ao seu aniversário de um século ainda tentando
nos fazer acreditar nos sonhos e na magia.
Como algo que nos diz o tempo todo que foi feito para
celebrar o legado do seu estúdio, é relativamente decepcionante que ele
arrisque tão pouco e prefira que sua celebração consista meramente de repousar
sobre os próprios louros passados (nos lembrando de vários filmes melhores do
que esse que estamos assistindo) do que em nos mostrar que a Disney ainda é
capaz de inovar, de nos surpreender, de nos pegar desprevenidos e nos fazer nos
perguntar “como eles imaginaram isso?” como fizemos em seus filmes mais
memoráveis. Ao invés de nos mostrar como tem vigor para mais outros 100 anos de
encantamento Wish: O Poder dos Desejos
se acomoda em meramente nos fazer lembrar das glórias passadas. Claro, o filme
tem lá seus bons momentos e não tem nada de particularmente problemático, só
não está plenamente à altura de ser celebração que se propõe a ser.
Filmes de trocas de corpos já foram feitos aos montes por
Hollywood e até pelo cinema brasileiro. Mãe que troca de corpo com filha, pai
com filho, marido com esposa. Muitas combinações já foram explorados e, talvez
justamente por isso, Trocados, produção
da Netflix resolve simplesmente fazer todas ao mesmo tempo. O resultado é um
filme que tenta chamar atenção pelo volume e não necessariamente pela qualidade
do humor ou das personagens.
A trama segue a família liderada por Jess (Jennifer Garner)
e Bill (Ed Helms). Quando eles discutem com os filhos CC (Emma Myers, a Enid de
Wandinha) e Wyatt (Brady Noon)
durante um alinhamento planetário, eles acordam com os corpos trocados. Os
filhos estão no corpo dos pais e até o bebê trocou de corpo com o cachorro.
É óbvio desde o início que a troca de corpos servirá para
que cada membro da família entenda as dores e dificuldades do outro aprendendo
grandes lições de vida no processo. Além de uma estrutura previsível, a trama é
prejudicada por um roteiro que se apoia em recriar todas as situações que já
vimos antes nesse tipo de produção. A filha no corpo da mãe precisa fazer a
“grande apresentação” que ira render uma promoção no emprego, o pai no corpo do
filho precisa fazer a entrevista para uma faculdade de prestigio que selará seu
futuro.
Se tem uma coisa que aprendi assistindo O Sacrifício do Cervo Sagrado(2017) e a este Saltburn é que convidar Barry Keoghan para sua casa certamente
acabará em tragédia. Dirigido e escrito por Emerald Fennell, Saltburn foi bastante divulgado como
algo próximo de um thriller erótico,
mas na prática é mais um suspense sobre conflitos de classe do que sobre
sexualidade.
A trama é centrada em Oliver (Barry Keoghan), um jovem que
acabou de entrar na faculdade de Oxford, e se encanta pelo colega aristocrata
Felix (Jacob Elordi), membro de uma família que descende de nobreza e dona de
uma extravagante propriedade chamada Saltburn. Oliver se aproxima de Felix e é
convidado a passar as férias de verão com ele na mansão de sua família.
Chegando lá, Oliver conhece os membros excêntricos da família do colega, como
seu pai, Sir James (Richard E. Grant), sua mãe, Eslpeth (Rosamund Pike), e sua
irmã Venetia (Alison Oliver). Aos poucos Oliver descobre como ele e vários
outros agregados da família precisam bajular e disputar a atenção deles para
não serem mandados embora e como Felix e seus parentes veem todos como
brinquedos a seu serviço. O que começou como férias entre amigos logo se torna
um tenso jogo de intrigas para tentar se manter sob os bons olhos da família e
continuar vivendo no luxo deles.
Os primeiros escritos sobre gêneros dramatúrgicos datam da
Grécia antiga e de pensadores como Aristóteles. O filósofo ponderava como os
gêneros, com suas estruturas típicas, propiciavam certa economia narrativa.
Como o espectador já sabia mais ou menos como a história iria se estruturar, o
dramaturgo poderia focar sua atenção nas particularidades dos personagens ou do
universo. Hollywood se vale até hoje desse princípio de economia narrativa, com
filmes tipo John Wickou Missão Impossível simplificando suas
tramas (porque já sabemos como elas irão transcorrer) para focar no espetáculo
de ação.
Zack Snyder, por outro lado, parece ignorar a ideia de
economia narrativa neste Rebel Moon Parte
1: A Menina do Fogo, um filme que é basicamente uma cópia de Star Wars misturado com algumas outras
produções (como Os Sete Samurais do
Kurosawa). Não há nada de original na trama ou universo criado por ele e não
teria problema se Snyder ao menos reconhecesse essa natureza derivativa e oferecesse
visuais, locais ou cenas de ação bem construídas (como os dois Avatarde James Cameron), mas ao invés
disso o diretor parece tão deslumbrado com sua própria criação que conduz tudo
com absoluta segurança de que fez algo completamente original, resultando em
uma trama arrastada pela necessidade de explicar os próprios clichês sem fazer
nada para subvertê-los, como se estivéssemos assistindo algo completamente
novo.
Um agente secreto esconde sua verdadeira ocupação da família
e vive como um pacato pai suburbano sem que a esposa e filhos saibam a verdade
sobre ele até que terroristas tomam sua família de refém e ele precisa
conciliar esses dois mundos. Essa é a trama de True Lies (1994) excelente comédia de ação dirigida por James
Cameron que este Plano em Família, produção
original da AppleTV+, basicamente copia sem qualquer pudor ou brilho.
A história gira em torno de Dan (Mark Wahlberg), um pacato
vendedor de carros usados que tem um passado como operativo secreto que esconde
da esposa, Jessica (Michelle Monaghan), e dos filhos. As coisas mudam quando
mercenários começam a atacar Dan e ele sugere uma viagem em família para fugir
dos assassinos ao mesmo tempo em que tenta manter tudo oculto da família.
A estrutura de viagem pela estrada parece feita sob medida
para alongar a narrativa sem lhe adicionar nenhum estofo, jogando os
personagens em encontros fortuitos e subtramas que não tem muita repercussão na
trama ou não servem para dar nenhum desenvolvimento aos membros da família. A
busca da filha, Nina (Zoe Colletti), por uma vaga na universidade dos sonhos
não faz muito diferença, enquanto a subtrama de Kyle (Van Crosby) tentando se
tornar um atleta de esports parece
existir apenas para adicionar um longo segmento que é meramente uma longa e
pouco sutil publicidade de um game online. A verdade é que o filme poderia ter
tranquilamente 90 ou 100 minutos ao invés das suas inchadas duas horas de
duração.
Depois de um live
action de One Pieceque
surpreendeu ao não ser péssimo, a Netflix entrega outra adaptação com atores
razoavelmente bem sucedida com este Yu Yu
Hakusho. É fiel ao espírito do anime ainda que peque por tentar cobrir uma
quantidade grande de tramas em apenas cinco episódios.
A história é a mesma do anime e do mangá. Yusuke Urameshi
(Takumi Kitamura) é um valentão que não se importa muito com escola, mas tem um
bom coração. Quando ele se coloca na frente de um caminhão e morre para evitar
que uma criança seja atropelada, o governante do mundo dos mortos, Koenma
(Keita Machida), lhe dá a chance de retornar ao mundo dos vivos como um
detetive sobrenatural para enfrentar yokais que saíram do mundo espiritual para
atormentar os humanos.
Inicialmente parece que essa primeira temporada irá adaptar
o arco do detetive sobrenatural, a primeira grande saga do material original.
Nos últimos episódios, porém, a série mescla o resgate a Yukina, que seria o
clímax do primeiro arco, com o arco do torneio das trevas, basicamente cobrindo
metade do anime em apenas cinco episódios de cerca de cinquenta minutos cada.
Logicamente é muito pouco para dar conta de quatro protagonistas, as relações
entre eles, com os coadjuvantes importantes e a rivalidade com certos vilões
como o Toguro (Go Ayano).
Considerando que o universo DC está morto e enterrado, com a
Warner querendo rapidamente chegar aos novos filmes sob a batuta do James Gunn,
não tinha muitas expectativas quanto a este Aquaman
2: O Reino Perdido. Afinal, assim como The Flash
era um filme que estava pronto faz tempo, foi adiado várias vezes e sofreu
várias mudanças por conta das trocas de lideranças na Warner/DC e por polêmicas
envolvendo o elenco (mais notadamente Amber Heard), embora este filme tenha
passado por menos perrengues de bastidores que o do velocista escarlate.
A trama se passa alguns anos depois do primeiro filme. Arthur
(Jason Momoa) e Mera (Amber Heard) agora tem um filho e a responsabilidade de
gerir o reino de Atlântida. As coisas se complicam quando o Arraia Negra (Yahya
Abdul-Mateen II) encontra o tridente sombrio do Reino Perdido e passa a ser
influenciado pelo espírito do rei maligno que reside na arma. O Arraia sabe que
está sendo usado pelo rei, mas decide aceitar para poder se vingar de Arthur.
O Elvis(2022) de
Baz Luhrmann focava tanto na relação do rei do rock com o Coronel Parker que
Priscilla Presley, esposa do cantor, virava basicamente uma nota de rodapé na
história. Em Priscilla a diretora
Sofia Coppola decide contar a história dela e de como a relação com Elvis a
afetou.
A narrativa se baseia no livro autobiográfico de Priscilla
Presley, acompanhando Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny) desde sua
adolescência, quando conhece um Elvis (Jacob Elordi, de Euphoria e A Barraca do Beijo)
já adulto durante o período em que ele serviu no exército, até os anos finais
de seu casamento com ele. Sob o olhar de Coppola, a história de Priscilla é
narrada como a de alguém presa em uma gaiola de ouro. Por mais que ela tivesse
tudo que o dinheiro pudesse proporcionar, isso não a impedia de se sentir
solitária e infeliz, já que sua existência era reduzida a ser um bibelô nas
mãos de Elvis.
É um olhar sobre o vazio e o tédio de uma jovem
inadvertidamente jogada em um universo de riqueza para ser tratada como objeto
que remete a outros filmes de Sofia Coppola, como a personagem de Scarlett
Johansson em Encontros e Desencontros
(2003) ou Maria Antonieta (2006).
Priscilla é constantemente colocada sozinha no quadro, construindo seu senso de
isolamento e alienação, amplificando isso com o uso de planos abertos a partir
do momento em que ela vai para Graceland que ressaltam como aquela opulência pode
soar opressiva, vazia e solitária.
Tudo que eu sei sobre a cantora Luísa Sonza foi contra a
minha vontade. A garota é tão exposta na mídia que sei mais sobre a vida
pessoal dela do que a respeito de alguns parentes e olha que nunca procurei
ativamente nada sobre ela. Na verdade, ficaria bem contente em saber menos a
respeito. Curiosamente, apesar da exposição sei mais sobre as tretas de sua
vida pessoal do que sobre sua música, o que raramente é um bom sinal. O
documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza
soa como um desdobramento inevitável para uma artista em ascensão, mas se
muitos usam esse tipo de produto como um veículo para expandir sua audiência, o
documentário da Netflix dividido em três episódios parece se dirigir aos fãs
mais ardorosos, já que a maneira como tudo é contado dificilmente vai convencer
ou aproximar qualquer outro espectador.
Trata-se de um documentário meramente laudatório, sem
qualquer nuance ou interesse de tentar entender a personalidade do objeto do
documentário. Tudo é posto para que Luísa seja vista como uma grande artista
(sem nada de muito convincente para justificar essa visão) ou como uma grande
coitada perseguida pela mídia (com um sensacionalismo exagerado que faz tudo
soar artificial) para atrair nossa comiseração. É um produto marcado pela
contradição de querer se expor intimamente e uma preocupação extrema em
controlar a narrativa e imagem que cerca a cantora.