A prisão do pop
Cooper (Josh Hartnett) está com a filha no show da cantora pop Lady Rave (Saleka Shyamalan, filha do diretor). Ao descobrir que a polícia montou uma armadilha para prendê-lo ele usa todas as suas habilidades para encontrar um meio de fugir do local ao mesmo tempo em que tenta manter sua fachada diante da filha.
A narrativa tem sua parcela de conveniências, como o fato de Cooper constantemente encontrar pessoas que revelam facilmente os segredos da operação ou algumas soluções pouco plausíveis, como o avental roubado de um funcionário estar com a carteira do sujeito dentro para que Cooper possa usar um documento para sair de um problema. Muito disso, no entanto, é tratado com alguma medida de humor, parte da autoconsciência que o filme exibe a respeito de toda a sua vibe de filme B.
Hartnett, que vem experimentando uma renascença na carreira com participações em produções como Black Mirror ou Oppenheimer (2023), é ótimo em construir a dualidade de Cooper. Um pai amoroso, que parece se importar de verdade com a filha e quer mantê-la longe de sua faceta mais sombria, e um assassino ardiloso e cruel que não se importa em mentir, manipular ou ferir os outros para conseguir o que quer. A composição de Harnett mostra aos poucos as rachaduras que vão aparecendo em sua fachada de cidadão pacato, ficando mais agitado e com mais dificuldade de se manter no controle.
Esse desvelamento da personalidade do protagonista se dá também pelo modo como Shyamalan o filma, recorrendo a closes mais fechados ou planos detalhe de pequenos tiques e expressões do personagem que revelam sua tensão e gradual perda de controle, além de ressaltar a sensação de acuamento e como as opções e espaços estão diminuindo ao seu redor. A narrativa se equilibra em uma corda bamba tonal, tentando ao mesmo tempo nos fazer temer Cooper por sua natureza cruel e implacável e fazer nos importarmos com sua relação com a filha, a exemplo de toda a subtrama envolvendo a briga da filha com uma colega de escola. Essas duas facetas eventualmente convergem, como no momento em que Cooper convence a produção do show a escolher sua filha para ser chamada para dançar com Lady Raven no palco, simultaneamente conseguindo acesso aos bastidores da arena e fazendo a filha provocar ciúmes na patricinha que a maltratou.
O caos da liberdade
É uma pena que toda essa construção cuidadosa e o crescimento da tensão desmoronem assim que a narrativa deixa o estádio. A impressão é que Shyamalan tinha umas três ideias diferentes de como encerrar sua narrativa e resolveu executar todas ao mesmo tempo, resultando em um vai e vêm constante de caminhos narrativos, reviravoltas que se acumulam tão rápido que não causam o impacto devido e soluções tão convenientes que mesmo no clima de excesso do filme soam pouco críveis.
A revelação envolvendo a personagem de Alison Pill, por exemplo, falha em ser a grande reviravolta que o filme a conduz para ser por soar desonesta. A personagem aparece muito tarde e muito pouco para sentirmos que aquela é uma guinada inesperada que ressignifica o que achávamos entender da dinâmica daquelas personagens e mais algo que o roteiro tira da cartola no último minuto porque precisava chocar o espectador. Para funcionar como o filme esperava que funcionasse era preciso apresentar a personagem antes, mostrar o estado da relação de Cooper com ela e ir construindo alguma medida subjacente de ambiguidade.
É mais um exemplo que mostra como Shyamalan é um ótimo diretor, mas um péssimo roteirista, algo que já mencionei quando escrevi sobre Batem à Porta (2023). Shyamalan só tinha a ganhar se concentrasse seus esforços na direção e tivesse alguém para desenvolver os roteiros ao seu lado a partir dos argumentos que ele próprio cria.
Armadilha vale pelo modo como constrói o senso crescente de tensão
no jogo de gato e rato entre o protagonista e seus perseguidores, bem como na
dualidade que traz ao protagonista, sendo lamentável que ele se perca no
clímax, desperdiçando o seu próprio potencial.
Nota: 6/10
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