sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Crítica – Black Tea: O Aroma do Amor

 

Análise Crítica – Black Tea: O Aroma do Amor

Review – Black Tea: O Aroma do Amor
Dirigido pelo mauritano Abderrahmane Sissako, responsável por filmes como Bamako (2006), Black Tea: O Aroma do Amor é um melodrama transnacional sobre desejo e rejeição. A trama é centrada em Aya (Nina Melo) que depois de dizer “não” no dia do casamento ao descobrir uma traição do noivo. Aya então se muda para Guangzhou, na China para reconstruir sua vida. Lá ela começa a trabalhar em uma loja de chás e se aproxima do dono, Cai Wang (Han Chang) e começam a viver um romance, mas diferenças culturais e o racismo local trazem problemas para a relação.

Desejo e distância

É uma trama sobre construção de pontes, conciliações possíveis e também sobre a dificuldade de superar certos abismos culturais. Tudo isso subjacente à jornada emocional da relação entre Aya e Cai que permanece o centro emocional da história. As cenas em que Cai ensina a Aya as técnicas de chá são dotadas de uma sensualidade silenciosa, repleta de um desejo que esses personagens mal conseguem conter, algo que me lembra o cinema de Wong Kar-Wai. Cada toque, cada gesto, cada movimento pulsa com esse desejo latente no qual os diálogos sobre a necessidade de movimentos precisos para evitar se queimar com a água fervente não é uma fala apenas sobre chá, é sobre eles se abrirem àquele desejo apesar dos relacionamentos anteriores que não deram certo.

É quando foca no desenvolvimento desse relacionamento e no cotidiano de Aya em se adaptar ao modo de vida na China que o filme funciona melhor. A questão é que lá pela metade ele começa a se abrir a várias subtramas que não chegam a ser desenvolvidas ao ponto de nos fisgar ou ter grande impacto. Um exemplo é o arco de Cai em seu desejo de se reaproximar da filha que tem em Cabo Verde, algo que se materializa em um literal sonho cujas imagens dele caindo sucessivamente de um barranco e temendo quebrar o jogo de chá que levou servem também como uma metáfora para seus sentimentos de fracasso como pai, sempre tropeçando sem nunca alcançar a filha. A questão é que a despeito dessas imagens marcantes, todo esse conflito fica apenas subjacente ao personagem e não chega a levá-lo em direção alguma, carecendo de força dramática.

Diálogos errantes

Do mesmo modo o clímax que envolve a chegada dos ex sogros de Cai para o aniversário de vinte anos do filho dele, Li-Ben (Michael Chang), não tem a devida tensão porque até aquele ponto os personagens e seus posicionamentos não foram devidamente construídos. Claro, a decisão de Cai em pedir que Aya fique no quarto e não saia enquanto ele e o resto da família jantam porque os sogros não entenderiam a presença de uma mulher negra ali mostra o preconceito latente no próprio comerciante, que não está disposto a “assumir” Aya apesar do que sente por ela. A questão é que o debate entre Li-Ben e os avôs que acontece logo depois fica na superfície do conflito de gerações em que o avô é uma pessoa que apenas reproduz esses preconceitos anacrônicos enquanto o neto tem uma mentalidade um pouco mais aberta e cosmopolita pelo próprio contato que ele tem com as populações africanas.

É uma maneira de mostrar como a juventude está mais aberta à diversidade do que gerações anteriores, a questão é que o avô aparece ali pela primeira vez e Li-Ben é um personagem que ficou nas bordas da narrativa até então e sabíamos muito pouco a seu respeito, então não são personagens cujos dramas estamos investidos. Do mesmo modo, o fato de Aya, o centro de tudo estar praticamente ausente no conflito contribui para diluir a força da cena. Talvez por isso o momento mais singelo da discussão é quando Aya começa a cantar e Li-Ben diz que a voz vem do bluetooth, avisando ao avô que no mundo de hoje todos estamos conectados.

Há uma direção muito precisa e consciente na construção visual de Black Tea: O Aroma do Amor, mas a despeito de bons momentos e imagens marcantes a impressão é que o todo termina menor que a soma das partes por conta do excesso de subtramas e personagens que não são devidamente explorados.

 

Esse texto faz parte de nossa cobertura da Mostra de Cinemas Africanos 2024.


Trailer

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Crítica – Castlevania Dominus Collection

 

Análise Crítica – Castlevania Dominus Collection

Review – Castlevania Dominus Collection
Faz algum tempo que a Konami não lança nenhum game novo de suas principais franquias, mas ao menos tem disponibilizado seus antigos games em ótimas coleções. Os Castlevania já foram contemplados com Castlevania Anniversary Collection que trazia os jogos de NES, SNES, Mega Drive e Game Boy, além da Castlevania Advance Collection que trouxe a trilogia de games do Game Boy Advance e Castlevania Requiem, que juntava Rondo of Blood e Symphony ofthe Night em um único pacote. Agora é a vez dos três games de Nintendo DS serem relançados nesta Castlevania Dominus Collection. A coleção traz em si Castlevania Dawn of Sorrow, Castlevania Portrait of Ruin e Castlevania Order of Ecclesia, além do game de fliperama Haunted Castle em sua versão original e em um remaster.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Crítica – Os Fantasmas Ainda Se Divertem

 

Análise Crítica – Os Fantasmas Ainda Se Divertem

Review – Os Fantasmas Ainda Se Divertem
Com a mania de Hollywood em continuações tardias que apelam para a nostalgia do espectador é a vez de Tim Burton se juntar à onda com este Os Fantasmas Ainda Se Divertem, continuação de Os Fantasmas Se Divertem (1988). Não esperava muita coisa e o resultado final é meio bagunçado por subtramas que não vão a lugar nenhum, mas ao menos é divertido por mais que seja mais estilo do que substância.

Bagunça sobrenatural

Mais de trinta anos depois do original, Lydia Deetz (Winona Ryder) tem um programa de investigação sobrenatural, explorando sua mediunidade para ganhar dinheiro com a ajuda do noivo Rory (Justin Theroux). Quando o pai dela morre (porque é claro que eles não trariam de volta o Jeffrey Jones depois que ele foi preso por conta de vários crimes sexuais incluindo pedofilia) Lydia precisa voltar a sua cidade natal, se reconectando com a filha, Astrid (Jenna Ortega), e com a madrasta Delia (Catherine O’Hara). O retorno de Lydia também chama atenção do espectro Beetlejuice (Michael Keaton), que segue obcecado em casar com Lydia. O fantasma lida com seus próprios problemas, já que sua antiga noiva Delores (Monica Belucci) se libertou de sua prisão sobrenatural e agora busca vingança.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Crítica – Feios

 

Análise Crítica – Feios

Review – Feios
Quando escrevi sobre o péssimo Mentes Sombrias nos idos de 2018 e o fraco Máquinas Mortais em 2019 mencionei como eles chegaram atrasados para a festa das adaptações de romances jovens distópicos, estreando em um momento em que todo mundo já estava cansado dos clichês desse tipo de história e com tramas que não faziam muito mais do que repetir tropos desgastados. Pois é com surpresa ver que Hollywood ainda insiste neste gênero que ninguém mais quer com este Feios. Produzido pela Netflix, é mais uma adaptação de uma série de romances sobre distopias protagonizadas por adolescentes e, como era de se esperar, é muito, muito ruim.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Crítica – Quando Eu Me Encontrar

 

Análise Crítica – Quando Eu Me Encontrar

Review – Quando Eu Me Encontrar
A ausência de um ente querido promove mudanças no cotidiano de todo mundo afetado por esse vazio. A produção cearense Quando Eu Me Encontrar se propõe justamente a examinar as consequências dessa ausência e como as pessoas reexaminam suas vidas diante dela.

Marcas da ausência

Na trama, a jovem Dayane vai embora de casa sem dar satisfação nenhuma à família. Sua mãe, Marluce (Luciana Souza) fica em choque com a partida repentina que a faz reexaminar sua relação com a própria mãe. Antônio (David Santos), noivo de Dayane, tenta de algum modo encontrar uma explicação para o sumiço da amada, se aproximando da melhor amiga dela, Cecília (Di Ferreira). A irmã mais nova de Dayane, Mariana (Pipa), enfrenta problemas na escola de classe média que ela frequenta como bolsista depois que uma amiga é abusada durante uma festa e elas se tornam alvos de comentários maldosos.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Crítica – Marvel vs Capcom Fighting Collection

 

Análise Crítica – Marvel vs Capcom Fighting Collection

Review – Marvel vs Capcom Fighting Collection
De uns anos para cá a Capcom parece interessada em resgatar a memória de seus clássicos games de luta. Primeiro lançaram a Capcom Fighting Collection trazendo games da década de 90 que a empresa nunca fez novas iterações como Darkstalkers ou Cyberbots. Este ano a empresa pegou todo mundo de surpresa com o anúncio desta Marvel vs Capcom Fighting Collection que compila os jogos de fliperama que a Capcom fez em parceria com a Marvel. Digo que pegou de surpresa porque desde o fracasso de Marvel vs Capcom Infinite a relação entre as duas empresas não parecia estar em um bom momento e mesmo campanhas de fãs para trazer de volta games como Marvel vs Capcom 2, como a liderada pelo youtuber Maximilian Dood, eram recebidas com frieza pela Capcom e com respostas de que era difícil algo assim acontecer.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Crítica – O Cara da Piscina

 

Análise Crítica – O Cara da Piscina

Review – O Cara da Piscina
Se não me engano foi o crítico Roger Ebert que disse que um filme bom nunca é longo o bastante e um filme ruim nunca é curto o bastante. Isso se aplica perfeitamente a este O Cara da Piscina, cujos meros cem minutos de duração se transformam em algo tão dolorosamente excruciante que o filme parece ter mais de quatro horas de duração.

A trama é centrada em Darren (Chris Pine), um tratador de piscinas hiponga, conspiracionista, metido a filósofo e ativista político, sempre cobrando mudanças nas linhas de ônibus na câmara de vereadores. Quando ele esbarra em um escândalo envolvendo o presidente da câmara, Stephen Toronkowski (Stephen Tobolowski), que pode estar recebendo propina do magnata imobiliário Theodore Hollandaise (Clancy Brown) para aprovar um grande empreendimento, Darren decide investigar a questão. No meio do caminho encontra a femme fatale June (DeWanda Wise) e mais uma série de personagens pitorescos.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Crítica – Lisa Frankenstein

 

Análise Crítica – Lisa Frankenstein

Review – Lisa Frankenstein
Escrito por Diablo Cody (de Garota Infernal e Tully) e dirigido por Zelda Williams (filha do comediante Robin Williams) este Lisa Frankenstein tem cara de algo feito para virar cult entre certos setores da cinefilia com sua trama insólita e personagens excêntricos. A trama se passa em 1989 sendo protagonizada por Lisa (Kathryn Newton) uma garota introspectiva que vive à sombra da meio-irmã popular Taffy (Liza Soberano) e da madrasta opressora Janet (Carla Gugino). Sem sorte com garotos por ser considerada esquisita, as coisas mudam para ela quando acidentalmente reanima um cadáver vitoriano (Cole Sprouse, de Riverdale) durante uma tempestade e decide fazer dele seu homem ideal com partes que pega de outros garotos.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Rapsódias Revisitadas – Campo dos Sonhos

 

Análise – Campo dos Sonhos

Review – Campo dos Sonhos
Lançado em 1989, Campo dos Sonhos foi tão referenciado e parodiado que mesmo que não assistiu conhecia a frase “se você construir, ele virá”. É um drama que se vale do realismo fantástico para falar sobre beisebol, sonhos, relações entre pais e filhos e como o esporte pode unir gerações.

Sonhos e desilusões

A trama adapta um romance escrito por W.P Kinsella, sendo protagonizada por Ray (Kevin Costner), um fazendeiro que está se aproximando da idade que o pai tinha quando ele morreu e teme que, assim como o pai, vai envelhecer sem nunca ter concretizado seus sonhos. Um dia ele ouve uma voz dizendo “se você construir, ele virá” e tem uma visão de um campo de beisebol sendo construído em seu milharal. Com o apoio da esposa, Annie (Amy Madigan), Ray ceifa parte de sua plantação para construir um campo de beisebol. Com o campo pronto, o jogador Shoeless Joe Jackson (Ray Liotta), ídolo do pai de Ray, surge misteriosamente do meio do milharal para jogar apesar de ter morrido há décadas. Ray então começa a ter visões envolvendo o recluso escritor Terrance Mann (James Earl Jones) e decide ir atrás dele, acreditando ser possível resolver o mistério do campo de beisebol.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Crítica – O Bastardo

 

Análise Crítica – O Bastardo

Review – O Bastardo
Histórias sobre a colonização de algum espaço costumam ser narradas como feitos heroicos de pessoas enfrentando ermos cheios de intempéries ou subjugando populações nativas, sem, no entanto, ponderar sobre as consequências ou a inerente violência desse processo colonial. A produção dinamarquesa O Bastardo, uma das escolhas do país para o Oscar, traz um pouco de ponderação sobre o egoísmo humano que está no cerne desse impulso desbravador.

A narrativa é baseada na história real de Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen) militar dinamarquês responsável por colonizar a península da Jutlândia no século XVIII, que hoje compreende a maior parte do território dinamarquês. Estabelecer o primeiro assentamento da região, no entanto, não era uma tarefa fácil e o reinado dinamarquês já tinha perdido o interesse no espaço. É apenas quando Kahlen propõe custear a empreitada do próprio bolso que a Coroa lhe dá permissão para construir seu assentamento. Lá, Kahlen enfrenta as intempéries do ermo, a dificuldade de cultivar um solo tomado por urzes, os saqueadores e principalmente as sabotagens perpetradas pelo magistrado local Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg) que quer as terras para si.