É impossível um realizador ter
pleno controle sobre a recepção de sua arte. A recepção é um processo
semiopragmático que depende da interpretação do espectador e, nesse sentido,
comunidades interpretativas podem chegar até mesmo a um entendimento que não é
sustentado pela materialidade da obra (Umberto Eco chamaria isso de
interpretação aberrante). Não importa o quanto um realizador seja perfeccionista,
é sempre possível que as pessoas gostem de um filme por motivos errados.
Piada explicada perde a graça
David Fincher é famoso pelo seu
perfeccionismo e nem ele foi capaz de impedir que seu Clube da Luta (1999) fosse lido como um chamado ao retorno a um
hipermasculinismo para reconstruir a ordem social e não como uma crítica a uma
masculinidade que prefere criar uma seita terrorista e explodir o mundo a lidar
com os próprios sentimentos. Há quem veja O Lobo de Wall Street(2013) como uma celebração da cultura de excessos da
especulação financeira e não como a óbvia sátira que o filme é. Do mesmo modo,
há quem goste de Coringa(2019) por
ver o protagonista como um revolucionário se rebelando contra uma sociedade que
o maltrata apesar do filme (e o próprio personagem) dizer explicitamente que
ele não é nada disso.
Apesar do título em português
evocar um suspense investigativo, Assassinato
em Gosford Park é um drama mais interessado no que o assassinato no centro
da trama movimenta entre os diferentes personagens que habitam a luxuosa mansão
britânica na qual a narrativa se passa do que no crime em si. É um filme sobre
questões de classe social e como a criadagem é tratada de forma invisível, com
os funcionários usando essa invisibilidade a seu favor.
A narrativa se passa em 1932 e
acompanha um final de semana na propriedade de Gosford Park, chefiada pelo
truculento William McCordle (Michael Gambon). A propriedade abriga no final de
semana membros proeminentes da sociedade britânica, como lady Constance
Trentham (Maggie Smith), a filha de McCordle, Sylvia (Kristin Scott Thomas),
Raymond Stockbridge (Charles Dance), além de convidados estrangeiros como o
produtor de cinema Morris Weissman (Bob Balaban). Esses ricos vem acompanhados
de seus criados, como Mary (Kelly Macdonald), que serve lady Trentham, ou Henry
(Ryan Philippe) assistente de Weissman que acaba sendo colocado junto com os
outros criados, além da própria equipe da mansão, como a sra. Wilson (Helen
Mirren), Elsie (Emily Watson), George (Richard E. Grant) e o chefe dos criados,
o sr. Jennings (Alan Bates).
Nunca li os livros de Jo Nesbo,
mas meu contato com adaptações de suas obras não foi dos melhores. Primeiro com
o péssimo Boneco de Neve(2017) e
agora com este fraco Calor Mortífero,
produção da Prime Video que adapta o conto O
Homem Ciumento de Nesbo.
Mistério requentado
A trama se passa na Grécia e
acompanha o detetive particular Nick Bali (Joseph Gordon Levitt) contratado
pela socialite Penelope (Shailene Woodley) para investigar a morte de seu
cunhado Leo (Richard Madden). Leo teria morrido ao cair de um penhasco durante
uma escalada livre (sem equipamentos), com a morte sendo considerada um
acidente. Penelope, no entanto, desconfia de algo, já que o controle da empresa
da família está em jogo, contrata o detetive. As principais suspeitas recaem
sobre Elias (Richard Madden), irmão gêmeo de Leo e marido de Penelope, e Audrey
(Claire Holman), a controladora mãe dos gêmeos.
Com algumas séries de games
sendo esquecidas por suas desenvolvedoras, muitas vezes cabe a jogos indie
trazer de volta o espírito desses games. Pizza
Tower de certa forma faz isso pela série Wario Land, que a Nintendo não produz um game novo desde Wario Land: Shake It, no Nintendo Wii. Pizza Tower é um game de plataforma que
tem o claro objetivo de evocar a estrutura de fase e senso de velocidade que
marcou alguns games da série Wario Land.
Eu não joguei quando Pizza Tower foi
lançado para PC ano passado, mas aproveitei o lançamento para Nintendo Switch
para finalmente conferir.
Lançado em 1928, A Paixão de Joana d’Arc é um marco na
história do cinema por múltiplos motivos. Foi o primeiro longa-metragem a
narrar a história da heroína francesa Joana d’Arc, que liderou o país contra os
ingleses. É também um marco pela maneira de filmar do diretor Carl T. Dreyer
que desafiou várias convenções da linguagem audiovisual da época e que mesmo em
relação ao cinema de hoje traz uma construção pouco usual.
Funcionando como uma versão
moderna de O Retrato de Dorian Gray,
de Oscar Wilde, ou do Fausto, de
Goethe, A Substância usa o horror
corporal para ponderar sobre o tempo, nossa relação com o corpo e os excessos
que as pessoas vão para se adequarem a padrões de beleza e juventude impostos
pela sociedade. É também sobre como Hollywood e toda a indústria do
entretenimento objetifica as mulheres e constrói uma visão de que
envelhecimento é algo indesejável apesar de ser um meio controlado por homens
brancos velhos.
A narrativa é protagonizada por
Elizabeth Sparkle (Demi Moore) que outrora foi uma premiada estrela de cinema,
mas com o tempo viu sua fama diminuir e agora apresenta um programa matinal de
ginástica. Em seu aniversário de 50 anos Elizabeth ouve Harvey (Dennis Quaid),
o produtor do programa, falando em demiti-la e contratar alguém mais jovem por
Elizabeth já ter passado demais de seu tempo. Depois da demissão Elizabeth
recebe uma correspondência lhe oferecendo uma droga misteriosa chamada apenas
de “A Substância” que promete um “novo eu” perfeito. Ela decide usar o item
misterioso e cria uma versão jovem e bela de si em Sue (Margaret Qualley). Os
efeitos da substância, no entanto, não são permanentes e ela deve voltar ao seu
corpo original a cada sete dias, mas a fama e facilidades que Sue obtém a fazem
ter repulsa de seu corpo mais velho e a levam a estender mais seu tempo como
Sue, trazendo consequências sérias para ambas.
O cinema de André Novais e dos
outros diretores da Filmes de Plástico é muito calcado na construção de um
senso de cotidianidade. Se o drama normalmente tenta se concentrar nos grandes
momentos de triunfo ou tragédia da vida comum, André e seus colegas entendem
que a vida se constrói principalmente nos interlúdios entre essas duas coisas,
que o grosso de nosso tempo se concentra nesse “eterno quase” de conseguirmos
ou não aquilo que desejamos e neste "eterno quase" em que residem muitos de nossos momentos especiais. O Dia Que Te
Conheci é um romance que se desenvolve justamente nesses momentos.
Dirigido pelo mauritano Abderrahmane
Sissako, responsável por filmes como Bamako
(2006), Black Tea: O Aroma do Amor
é um melodrama transnacional sobre desejo e rejeição. A trama é centrada em Aya
(Nina Melo) que depois de dizer “não” no dia do casamento ao descobrir uma
traição do noivo. Aya então se muda para Guangzhou, na China para reconstruir
sua vida. Lá ela começa a trabalhar em uma loja de chás e se aproxima do dono,
Cai Wang (Han Chang) e começam a viver um romance, mas diferenças culturais e o
racismo local trazem problemas para a relação.
Desejo e distância
É uma trama sobre construção de
pontes, conciliações possíveis e também sobre a dificuldade de superar certos
abismos culturais. Tudo isso subjacente à jornada emocional da relação entre
Aya e Cai que permanece o centro emocional da história. As cenas em que Cai
ensina a Aya as técnicas de chá são dotadas de uma sensualidade silenciosa,
repleta de um desejo que esses personagens mal conseguem conter, algo que me
lembra o cinema de Wong Kar-Wai. Cada toque, cada gesto, cada movimento pulsa
com esse desejo latente no qual os diálogos sobre a necessidade de movimentos
precisos para evitar se queimar com a água fervente não é uma fala apenas sobre
chá, é sobre eles se abrirem àquele desejo apesar dos relacionamentos
anteriores que não deram certo.
É quando foca no desenvolvimento
desse relacionamento e no cotidiano de Aya em se adaptar ao modo de vida na
China que o filme funciona melhor. A questão é que lá pela metade ele começa a
se abrir a várias subtramas que não chegam a ser desenvolvidas ao ponto de nos
fisgar ou ter grande impacto. Um exemplo é o arco de Cai em seu desejo de se
reaproximar da filha que tem em Cabo Verde, algo que se materializa em um literal
sonho cujas imagens dele caindo sucessivamente de um barranco e temendo quebrar
o jogo de chá que levou servem também como uma metáfora para seus sentimentos
de fracasso como pai, sempre tropeçando sem nunca alcançar a filha. A questão é
que a despeito dessas imagens marcantes, todo esse conflito fica apenas
subjacente ao personagem e não chega a levá-lo em direção alguma, carecendo de
força dramática.
Diálogos errantes
Do mesmo modo o clímax que
envolve a chegada dos ex sogros de Cai para o aniversário de vinte anos do
filho dele, Li-Ben (Michael Chang), não tem a devida tensão porque até aquele
ponto os personagens e seus posicionamentos não foram devidamente construídos.
Claro, a decisão de Cai em pedir que Aya fique no quarto e não saia enquanto
ele e o resto da família jantam porque os sogros não entenderiam a presença de
uma mulher negra ali mostra o preconceito latente no próprio comerciante, que
não está disposto a “assumir” Aya apesar do que sente por ela. A questão é que
o debate entre Li-Ben e os avôs que acontece logo depois fica na superfície do
conflito de gerações em que o avô é uma pessoa que apenas reproduz esses
preconceitos anacrônicos enquanto o neto tem uma mentalidade um pouco mais
aberta e cosmopolita pelo próprio contato que ele tem com as populações
africanas.
É uma maneira de mostrar como a
juventude está mais aberta à diversidade do que gerações anteriores, a questão
é que o avô aparece ali pela primeira vez e Li-Ben é um personagem que ficou
nas bordas da narrativa até então e sabíamos muito pouco a seu respeito, então
não são personagens cujos dramas estamos investidos. Do mesmo modo, o fato de
Aya, o centro de tudo estar praticamente ausente no conflito contribui para
diluir a força da cena. Talvez por isso o momento mais singelo da discussão é
quando Aya começa a cantar e Li-Ben diz que a voz vem do bluetooth, avisando ao
avô que no mundo de hoje todos estamos conectados.
Há uma direção muito precisa e
consciente na construção visual de Black
Tea: O Aroma do Amor, mas a despeito de bons momentos e imagens marcantes a
impressão é que o todo termina menor que a soma das partes por conta do excesso
de subtramas e personagens que não são devidamente explorados.
Esse texto faz parte de nossa
cobertura da Mostra de Cinemas Africanos 2024.
Faz algum tempo que a Konami não
lança nenhum game novo de suas principais franquias, mas ao menos tem
disponibilizado seus antigos games em ótimas coleções. Os Castlevania já foram
contemplados com Castlevania Anniversary
Collection que trazia os jogos de NES, SNES, Mega Drive e Game Boy, além da
Castlevania Advance Collection que
trouxe a trilogia de games do Game Boy Advance e Castlevania Requiem, que juntava Rondo of Blood e Symphony ofthe Nightem um único pacote. Agora é a vez dos três games de Nintendo DS
serem relançados nesta Castlevania
Dominus Collection. A coleção traz em si Castlevania Dawn of Sorrow, Castlevania
Portrait of Ruin e Castlevania Order
of Ecclesia, além do game de fliperama Haunted
Castle em sua versão original e em um remaster.
Com a mania de Hollywood em
continuações tardias que apelam para a nostalgia do espectador é a vez de Tim
Burton se juntar à onda com este Os
Fantasmas Ainda Se Divertem, continuação de Os Fantasmas Se Divertem (1988). Não esperava muita coisa e o
resultado final é meio bagunçado por subtramas que não vão a lugar nenhum, mas
ao menos é divertido por mais que seja mais estilo do que substância.
Bagunça sobrenatural
Mais de trinta anos depois do
original, Lydia Deetz (Winona Ryder) tem um programa de investigação
sobrenatural, explorando sua mediunidade para ganhar dinheiro com a ajuda do
noivo Rory (Justin Theroux). Quando o pai dela morre (porque é claro que eles
não trariam de volta o Jeffrey Jones depois que ele foi preso por conta de
vários crimes sexuais incluindo pedofilia) Lydia precisa voltar a sua cidade
natal, se reconectando com a filha, Astrid (Jenna Ortega), e com a madrasta
Delia (Catherine O’Hara). O retorno de Lydia também chama atenção do espectro
Beetlejuice (Michael Keaton), que segue obcecado em casar com Lydia. O fantasma
lida com seus próprios problemas, já que sua antiga noiva Delores (Monica
Belucci) se libertou de sua prisão sobrenatural e agora busca vingança.