Por mais que o consumo de álcool seja algo natural em nossa
sociedade, ainda há uma dimensão de julgamento moral associada a ele,
principalmente quando falamos em um consumo com alguma regularidade ou quando
vemos alguém beber além da conta em alguma ocasião. Dirigido por Thomas
Vinterberg este Druk: Mais Uma Rodada
pondera sobre nossa relação complicada com essa substância.
A trama é protagonizada por Martin (Madds Mikkelsen), um
professor de história que vê sua carreira e seu casamento estagnarem e sente
viver em uma bolha de apatia. Um dia, em um jantar com outros colegas
professores colegiais, Martin ouve falar de uma proposição de um filósofo de
que seria possível melhorar a vida pessoal e profissional mantendo
constantemente um pequeno percentual de álcool no sangue. Assim, Martin e seus
colegas de trabalho decidem fazer um experimento de tentar manter essa pequena
quantidade de álcool para verificar se isso produz algum resultado.
De início a trama discute como tratamos o álcool como tabu,
mas, ao mesmo tempo, idolatramos os feitos de pessoas que eram notórios
consumidores de álcool como Churchill (que aqui é exibido sob um prisma
puramente positivo, sem mencionar sua violência colonial) ou Hemingway. A
pequena dose de álcool consumida pelos personagens vai alterando seu cotidiano,
deixando-os mais criativos, mais soltos melhorando a atividade profissional e
socialização deles.
De cara este Bad Trip
parece basicamente uma reciclagem da trama de Debi & Loide (1994), mas em sua estrutura ele se faz em cima de
cenas nas quais os personagens interagem com populares na rua que não estão
cientes de estarem participando de uma encenação. Assim, boa parte do filme soa
como uma coleção de pegadinhas a la Jackass
com os protagonistas colocando anônimos em situações absurdas.
A premissa é bem básica, Chris (Eric André) e Bud (Lil Rel
Howery) são dois amigos de infância que moram em uma cidadezinha da Flórida,
vivendo de bicos e subempregos. Quando Chris fica sabendo que Maria (Michaela
Conlin), de quem gosta desde os tempos de escola, vai se mudar para Nova Iorque
ele convence Bud a ir numa viagem de carro para a grande cidade. A questão é
que Chris pede a Bud para usar o carro de Trina (Tiffany Haddish), irmã de Bud
e uma criminosa violenta que está na prisão. Ao longo da viagem, Trina foge da
prisão e resolve ir atrás dos dois.
É um fiapo de roteiro que serve apenas para justificar ações
alopradas de seus personagens, que funcionam por conta da entrega ao absurdo e
cara de pau de André, Howery e Raddish em se manterem no personagem enquanto
reagem com populares incrédulos. Ao contrário de programas de pegadinhas como o
já citado Jackass, esses populares
pegos no meio das cenas raramente servem de vítimas ou objetos de humilhação
para os protagonistas, funcionando mais como cúmplices de cena, reagindo aos
atores e dando a eles mais combustível para que eles construam seu humor físico
e nonsense.
A questão é que, na prática, essas interações com os
populares são muitas vezes reduzidas a olhares curiosos e/ou constrangidos
desses indivíduos, um expediente que fica rapidamente cansativo.
Ocasionalmente, o filme encontra boas interações como na cena em que Chris e
Bud batem o carro, no momento em que Chris cai de cima de um bar ou durante o
confronto final com Trina nas quais vemos os populares tentando ajudar de alguma
maneira. Considerando os tempos em que vivemos, chega a ser reconfortante ver
que existem pessoas dispostas a ajudar completos estranhos em situações doidas
no meio da rua.
Por outro lado, boa parte cenas são completamente
inconsequentes para a trama e considerando que o filme tem oitenta e cinco
minutos, não sobra muito material para sustentar a jornada dos personagens. Se
eles apenas queriam experimentar fazer comédia com pessoas aleatórias na rua,
teria sido melhor criar um programa de esquetes do que um filme narrativo.
Essas cenas também incomodam pelo excesso de edição no qual fica evidente que
cada interação num mesmo espaço aconteceu em momentose/ou dias diferentes, como se o filme estivesse
esperando que alguém reagisse da maneira desejada para enfim construir a cena.
Os recursos de montagem tiram a espontaneidade e fazem
muitos segmentos soarem forçados, um sentimento ampliado durante os créditos do
filme quando vemos que várias cenas, a exemplo do despertar de Chris, foram
filmadas com inúmeras “vítimas”, deixando claro que é menos um exercício de
improviso e mais em provocar os anônimos até obterem o efeito desejado. Aliás,
a própria ideia de que o uso de não-atores produziria algo mais genuíno ou mais
real é, em si, problemática, já que viver uma situação e performar para a
câmera são duas coisas muito distintas (que o diga Clint Eastwood e seu insosso
15h17: Trem Para Paris). Se isso
fosse verdade todo mundo usaria não profissionais e não haveria necessidade
para atores treinados. O fato de Bad Trip
ter que constantemente recorrer a truques de montagem para tentar fazer render
essas interações mostra que essa espontaneidade não vem assim fácil.
Apesar de alguns lampejos de humor e emoção genuínas, Bad Trip tem dificuldade de conciliar
sua trama com as “pegadinhas” envolvendo pessoas reais, com situações que soam
forçadas em muitos momentos.
Produzido pelo jornal New York Times, o documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma
Estrela chamou atenção por revelar a situação jurídica da cantora pop
Britney Spears, que desde 2008 vive sob tutela jurídica do pai, como se fosse
alguém completamente incapaz de cuidar de si mesma.
O que é apresentado aqui é um competente trabalho de
pesquisa que examina a trajetória profissional de Britney desde quando ela
começou no mundo do entretenimento ainda muito jovem até os dias atuais quando
ela luta para reverter a situação da tutela jurídica. Em termos de forma é um
documentário bem simples, se baseando no padrão de entrevistas e imagens de
arquivo, privilegiando mais a transmissão de informações e a construção da
retórica de convencimento acerca da questão problemática que é a tutela de
Spears.
Mais do que a questão da tutela, o documentário pondera
sobre o papel da mídia na trajetória da cantora, especialmente no modo como ela
foi, desde muito nova, constantemente cobrada, vigiada e pressionada pelos
veículos de imprensa do mundo todo, algo que não deve ser saudável. A natureza
predatória dos paparazzi fica evidente na entrevista com o fotógrafo que
registrou o ataque de Britney com um guarda chuva. Os vídeos feitos por ele
evidenciam que a cantora claramente não estava bem e o tempo todo ouvimos ela
ou as pessoas que estavam com ela pedindo para pararem de filmar, mas ainda
assim o paparazzo a seguiu de carro por horas e na entrevista para o documentário
ainda diz que não fez nada de errado, deixando claro que esse modo de cobrir
celebridades não tem nenhuma preocupação em estabelecer uma boa relação com a
fonte, com o consentimento de imagem ou com princípios éticos.
Dentro da crítica e da cinefilia há toda uma corrente de
debate que argumenta que boa parte dos méritos de Cidadão Kane (1941) residiam no roteiro escrito por Herman
Mankiewicz. Este Mank, dirigido por
David Fincher parece tomar essa posição ao acompanhar Mank enquanto escreve o
roteiro para Orson Welles.
A trama mostra Herman “Mank” Mankiewicz (Gary Oldman)
acamado depois de um acidente de carro. Com problemas financeiros e de saúde
que vinham desde antes do acidente e com a reputação prejudicada entre os
executivos de grandes estúdios por conta de seu alcoolismo, vício em apostas e
constantes críticas às hipocrisias dos magnatas da mídia, Mank aceita escrever
um roteiro para o então incipiente diretor Orson Welles (Tom Burke), uma
história inspirada na trajetória de William Randolph Hearst (Charles Dance).
A narrativa vai e volta no tempo entre o Mank do presente
tentando finalizar seu roteiro e o passado do roteirista, mostrando sua relação
complicada com o produtor Louis B. Mayer (Arliss Howard), chefão da MGM, com o
ricaço Hearst e com Marion (Amanda Seyfred), a jovem esposa de Hearst. Os flashbacks mostram a relação complicada
de Mank com os figurões de Hollywood e da mídia por conta de sua vida de
excessos e posições políticas. Enquanto a Hollywood da década de 1930 adotava
uma postura de não criticar a Alemanha nazista por medo de perder arrecadação
por lá, Mank já denunciava os perigos que os nazistas representavam.
Lidando com um personagem que passa por transformações
radicais em sua vida, O Som do Silêncio não
trata apenas da perda de audição, mas de como aceitar as inevitáveis mudanças
que a vida nos impõe e entender que certas coisas não podem ser restauradas
como eram. São temas delicados, principalmente em relação à comunidade surda,
que muitos filmes as vezes derrapam no excesso de romantização da condição
desses personagens.
Ruben (Riz Ahmed) é um baterista de heavy metal que começa a perder a audição. Ele tem uma banda junto
com a namorada, Lou (Olivia Cooke), e logicamente se preocupa em como seu
problema inviabilizará seu modo de vida. Ruben pensa na possibilidade de
conseguir retomar a vida com um implante coclear, no entanto, o custo alto o
impede de conseguir a cirurgia. Sem alternativas, ele vai morar em uma
comunidade de surdos para aprender a lidar com a nova condição e aceitar que
não há nada de errado com ele.
A jornada do protagonista é quase uma jornada de luto, passando
por estágios como negação, raiva, barganha ou aceitação. De certa forma faz
sentido, já que Ruben experimenta uma perda que praticamente torna impossível
que ele siga com o mesmo modo de vida e precisa de tempo para se adequar à sua
nova realidade. Nesse sentido, Riz Ahmed é ótimo em nos apresentar o desespero
e desamparo de Ruben conforme ele percebe que está em um caminho sem volta.
Dirigido por Ron Howard, este Era Uma Vez um Sonho é um daqueles filmes que parece feito sob
medida para premiações. Traz um diretor de renome e um elenco de peso para
contar um drama baseado em fatos reais sobre superação. Em tese teria tudo que
as premiações adoram e não tinha como dar errado, mas, na prática, muito pouco
funciona no filme
A trama é focada em J.D (Gabriel Basso) um jovem estudante
de direito que volta para sua cidade natal depois de saber que sua mãe, Bev
(Amy Adams), teve uma overdose. Lá, ele começa a rememorar sobre a juventude,
as dificuldades passadas com a família e a difícil relação que tinha com a mãe
e com a avó (Glenn Close).
A narrativa vai e volta no tempo, intercalando o presente de
J.D lidando com a overdose mãe com diferentes momentos do passado em que ele
rememora a infância morando com a mãe e posteriormente com a avó. Não há muita
razão para boa parte dessas idas e vindas que trabalham mais para dar um
caráter fragmentado e episódico do que para efetivamente costurar essas
diferentes experiências. O filme poderia começar com J.D indo para casa e
depois voltando ao passado, contando tudo cronologicamente em ordem a partir
daí que não faria muita diferença.
Não esperava grande coisa deste Por Trás da Inocência, produção original da Netflix. O trailer
tinha toda cara de um thriller erótico
de quinta categoria, mas ainda assim minha curiosidade mórbida levou a melhor e
fui conferir o filme. Minhas expectativas eram extremamente baixas e
surpreendentemente ele conseguiu ser ainda pior do que eu imaginava.
A trama é centrada em Mary (Kristin Davis), uma escritora de
romances de suspense que há anos não produz nada de novo por conta de um
bloqueio criativo. Um dia ela é procurada pelos seus editores que oferecem um
largo adiantamento para que ela produza um novo livro para sua mais famosa
série. Em problemas financeiros por conta de apostas financeiras ruins do
marido, Tom (Dermot Mulroney), ela acaba aceitando e mergulha no universo
sombrio de suas personagens. Ao mesmo tempo, a família contrata uma nova babá
em Grace (Greer Gramer) e Mary começa a sentir uma estranha atração pela jovem,
mas talvez tudo seja apenas imaginação da escritora, muito imersa nas tramas
sombrias de seus livros.
Um policial precisa ir até uma grande metrópole para caçar
um criminoso de sua cidade natal e causa o caos por lá. Essa era a trama de Um Tira da Pesada (1984) e é também a
premissa central deste Cabras da Peste,
que também parodia “filmes de parceiros” como Máquina Mortífera (1987) ou Os
Bad Boys (1995).
Bruceuilis (Edimilson Filho) é um policial de uma pequena e
pacata cidade no interior do Ceará. Quando uma cabra é levada por um caminhão
transportando rapadura batizada com drogas, Bruceuilis segue o criminoso até
São Paulo para recuperar o animal. Lá ele encontra o apoio de Trindade (Matheus
Nachtergaele), um policial paulista sem respeito dos colegas por querer fazer
apenas trabalho burocrático.
É o típico arranjo da dupla de personalidades opostas, um de
temperamento explosivo e afeito a ação e outro mais retraído, como em Máquina Mortífera. Aqui a narrativa é
autoconsciente dos clichês que evoca e constantemente faz piada com isso, a
exemplo da perseguição inicial envolvendo Bruceuilis e um sujeito que
aparentemente roubou um ventilador, uma correria que acaba com barris
convenientemente posicionados explodindo atrás do protagonista.
O musical AFesta de Formatura narra a história de
Emma (Jo Ellen Pellman), uma adolescente lésbica cuja associação de pais da
escola em que ela estuda se recusa a fazer uma festa de formatura na qual ela
possa ir com a namorada. Ao saberem da notícia, um grupo de fracassadas
estrelas da Broadway decide partir a pequena cidadezinha na qual Emma vive para
protestar contra a homofobia do caso e, além disso, se promoverem para
retomarem as carreiras.
Tinha tudo para ser um musical vibrante e divertido com uma
mensagem positiva de enfrentamento dos preconceitos. De certa forma, até é
isso, mas também é demasiadamente arrastado, se alongando por desnecessárias
duas horas e quinze com várias subtramas que apenas repetem as mesmas ideias do
conflito principal envolvendo Emma. Lá pela marca de uma hora, quando a
presidente da associação de pais, Sra. Greene (Kerry Washington), trapaceia na
realização da formatura e deixa Emma sozinha na festa, imaginamos que o filme
caminha para o seu clímax, com as estrelas da Broadway encabeçadas por Dee Dee
Allen (Meryl Streep) organizando uma nova festa ou denunciando a Sra. Greene.
Só que não, ainda há mais de uma hora de filme em que a trama se arrasta para
chegar a esse ponto.
Boa parte dos problemas vem da necessidade da trama em dar a
cada personagem uma subtrama só sua, sendo que muitas dessas histórias soam
redundantes. A narrativa do ator Barry (James Corden) narrando como foi expulso
de casa pela mãe por ser gay toca nas mesmas questões de homofobia da trama
principal, por exemplo. Imagino que todas essas narrativas secundárias já
estivessem presentes no musical teatral que deu origem ao filme, a questão é
que nem tudo que funciona em um meio, funciona em outro.
O discurso contra a homofobia por vezes peca pelo excesso de
didatismo, muitas vezes soando como uma videoaula na qual essas ideias são
explicadas com pouca organicidade. Claro, em muitos momentos o filme lida bem
com isso, em especial no conflito do relacionamento de Emma com a namorada,
Shelby (Sofia Daler), que teme em sair do armário para a mãe. Há também a
questão das variações bruscas de tom, com a narrativa muitas vezes saindo de
uma cena envolvendo um drama sério sobre preconceito para um número musical
alegre e exuberante, com essas transações por vezes soando abruptas.
O ponto alto, logicamente, são os números musicais. Repletos
de cor, energia e exuberância, as canções retratam os sonhos românticos de Emma
ou os desejos de grandeza dos astros da Broadway. As canções também trazem uma
boa dose de humor, reconhecendo que o núcleo da Broadway está agindo mais por
ego do que por crença, com Meryl Streep e Nicole Kidman vendendo muito bem a
falta de noção e desespero por holofotes dessas personagens.
Eu queria ter gostado mais de A Festa de Formatura por causa de suas canções divertidas e elenco
carismático, mas seu ritmo arrastado e excesso de subtramas atrapalham a
experiência.
A produção francesa A
Sentinela parece não ser capaz de decidir que história quer contar. De
início parece um filme que visa discutir as consequências da guerra contra o
terrorismo e as sequelas disso nas tropas. Logo depois vira um filme de
vingança com cara das produções estreladas por Stallone ou Schwarzenegger na
década de oitenta.
Na trama, a soldado Klara (Olga Kurylenko) volta para a
França depois de uma missão de combate ao terrorismo no exterior dar errado.
Afetada por estresse pós-traumático, a soldado tenta reconstruir a vida. Tudo
muda quando a irmã de Klara é estuprada e espancada por um rico estrangeiro com
imunidade diplomática. Quando as autoridades não podem tocar no estuprador de
sua irmã, Klara decide fazer justiça com as próprias mãos.
Apesar de tocar em temas sérios, como as marcas da guerra
que ficam nos soldados ou violência contra a mulher, o filme não tem nada a
dizer sobre nada disso. Toda questão do trauma da protagonista é basicamente
irrelevante para a trama, já que ela poderia ser simplesmente uma soldado
competente que não mudaria coisa alguma. Do mesmo modo, o estupro da irmã dele
serve apenas de motivador para a ação e poderia ser substituído por qualquer
outro crime, como assassinato, espancamento ou atropelamento que não faria
qualquer diferença, é meramente um dispositivo de roteiro para servir de
gatilho para a história.