Desejo e distância
É uma trama sobre construção de pontes, conciliações possíveis e também sobre a dificuldade de superar certos abismos culturais. Tudo isso subjacente à jornada emocional da relação entre Aya e Cai que permanece o centro emocional da história. As cenas em que Cai ensina a Aya as técnicas de chá são dotadas de uma sensualidade silenciosa, repleta de um desejo que esses personagens mal conseguem conter, algo que me lembra o cinema de Wong Kar-Wai. Cada toque, cada gesto, cada movimento pulsa com esse desejo latente no qual os diálogos sobre a necessidade de movimentos precisos para evitar se queimar com a água fervente não é uma fala apenas sobre chá, é sobre eles se abrirem àquele desejo apesar dos relacionamentos anteriores que não deram certo.
É quando foca no desenvolvimento desse relacionamento e no cotidiano de Aya em se adaptar ao modo de vida na China que o filme funciona melhor. A questão é que lá pela metade ele começa a se abrir a várias subtramas que não chegam a ser desenvolvidas ao ponto de nos fisgar ou ter grande impacto. Um exemplo é o arco de Cai em seu desejo de se reaproximar da filha que tem em Cabo Verde, algo que se materializa em um literal sonho cujas imagens dele caindo sucessivamente de um barranco e temendo quebrar o jogo de chá que levou servem também como uma metáfora para seus sentimentos de fracasso como pai, sempre tropeçando sem nunca alcançar a filha. A questão é que a despeito dessas imagens marcantes, todo esse conflito fica apenas subjacente ao personagem e não chega a levá-lo em direção alguma, carecendo de força dramática.
Diálogos errantes
Do mesmo modo o clímax que envolve a chegada dos ex sogros de Cai para o aniversário de vinte anos do filho dele, Li-Ben (Michael Chang), não tem a devida tensão porque até aquele ponto os personagens e seus posicionamentos não foram devidamente construídos. Claro, a decisão de Cai em pedir que Aya fique no quarto e não saia enquanto ele e o resto da família jantam porque os sogros não entenderiam a presença de uma mulher negra ali mostra o preconceito latente no próprio comerciante, que não está disposto a “assumir” Aya apesar do que sente por ela. A questão é que o debate entre Li-Ben e os avôs que acontece logo depois fica na superfície do conflito de gerações em que o avô é uma pessoa que apenas reproduz esses preconceitos anacrônicos enquanto o neto tem uma mentalidade um pouco mais aberta e cosmopolita pelo próprio contato que ele tem com as populações africanas.
É uma maneira de mostrar como a juventude está mais aberta à diversidade do que gerações anteriores, a questão é que o avô aparece ali pela primeira vez e Li-Ben é um personagem que ficou nas bordas da narrativa até então e sabíamos muito pouco a seu respeito, então não são personagens cujos dramas estamos investidos. Do mesmo modo, o fato de Aya, o centro de tudo estar praticamente ausente no conflito contribui para diluir a força da cena. Talvez por isso o momento mais singelo da discussão é quando Aya começa a cantar e Li-Ben diz que a voz vem do bluetooth, avisando ao avô que no mundo de hoje todos estamos conectados.
Há uma direção muito precisa e
consciente na construção visual de Black
Tea: O Aroma do Amor, mas a despeito de bons momentos e imagens marcantes a
impressão é que o todo termina menor que a soma das partes por conta do excesso
de subtramas e personagens que não são devidamente explorados.
Esse texto faz parte de nossa
cobertura da Mostra de Cinemas Africanos 2024.
Trailer